Anexo III - A concepção formalista da Matemática§1

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Hilbert, diferentemente dos logicistas, não tinha pretensões de reduzir a matemática à lógica, mas fundamentar conjuntamente ambas. Ele e os outros seguidores da escola formalista viam na matemática a ciência da estrutura dos objetos. Os números são as propriedades estruturais mais simples destes objetos e por sua vez constituem-se também em objetos, com novas propriedades. O matemático pode estudar as propriedades dos objetos somente por meio de um sistema apropriado de símbolos, reconhecendo e relevando os aspectos destituídos de importância dos sinais que utiliza. Uma vez que se possua um sistema de sinais adequados, não é mais necessário se preocupar com seus significados: os próprios símbolos possuem as propriedades estruturais que interessam. Aqui devemos atentar para o fato de que a formalização não deve ser confundida com este aspecto não esssencial que é a simbolização. O matemático deve apenas investigar, segundo os formalistas, as propriedades estruturais dos símbolos, e portanto dos objetos, independentemente de seus significados. Assim como na geometria ou na álgebra, para simplificar e uniformizar determinadas questões, são introduzidos conceitos não reais – ponto do infinito, números ideais, etc. – que são apenas convenções linguísticas, também se justifica a introdução na matemática de conceitos e princípios sem conteúdo intuitivo. Deste modo as leis da lógica clássica permanecem válidas.

Ponto chave na metamatemática de Hilbert é que o sistema estudado não encerre contradição, isto é que não se possa provar uma proposição e ao mesmo tempo a sua negação. Ele procurou estabelecer um método para se construir provas absolutas de consistência (ausência de contradição) dos sistemas, sem dar por suposta a consistência de algum outro sistema.

O primeiro passo é a completa formalização de um sistema dedutivo. Isto implica a extração de todo significado das expressões existentes dentro do sistema: devem ser consideradas puros sinais ‘vazios’. Expressão é o nome que se dá às ‘palavras’ do sistema, que por sua vez são compostas de símbolos abstratos, também chamados ‘alfabeto’ do sistema. A forma como se devem combinar estas expressões deve estar plasmada em um conjunto de regras de formação e regras de inferência enunciadas com toda precisão, que especificam com uma expressão pode ser formada ou transformada em outra. A finalidade deste procedimento é contruir um ‘calculo’ que não oculte nada e que somente contenha o expressamente se tenha colocado nele. Em um sistema formal um número finito de expressões é tomado como sendo o conjunto de axiomas do sistema. A idéia de prova num sistema formal consiste em começar com um dos axiomas e aplicar uma sequência finita de tranformações, convertendo o axioma em uma sucessão de novas expressões, onde cada uma delas ou é um dos axiomas do sistema ou é derivada deles pela aplicação das regras de formação. A totalidade dos teoremas constitui o que pode ser provado no sistema. Os axiomas e os teoremas de um sistema completamente formalizado são portanto sucessões de comprimento finito de símbolos sem significado.

Uma axiomática formalizada converte-se, em resumo, em uma espécie de jogo grafo-mecânico, efetuado com símbolos destituídos de significação e regulado por meio de regras determinadas. E isto tem uma valiosa finalidade: revelar com clareza a estrutura e a função, similarmente ao manual esquemático e de funcionamento de uma máquina. Quando um sistema está formalizado, tornam-se visíveis as relações lógicas existentes entre as proposições matemáticas, como se combinam, como permanecem unidas, etc.

Uma página inteira preenchida com os sinais ‘vazios de significado’ não afirma nada: é simplesmente um desenho abstrato de um mosaico que possui determinada estrutura. No entanto é perfeitamente possível descrever as configurações de um sistema assim especificado e formular declarações acerca das configurações e das suas diversas relações mútuas. Hilbert observou que tais declarações pertencem à metamatemática, isto é, declarações a respeito dos símbolos e expressões existentes dentro de um sistema matemático formalizado.

Para cada sistema formalizado procura-se provar sua consistência, evidenciando-se que jamais se poderá chegar a arranjos simbólicos contraditórios. Os métodos utilizados foram denominados por Hilbert de métodos finitísticos: procedimentos elementares e intuitivos de tipo combinatório, utilizados para manipular um número finito de objetos e funções bem determinadas§2. A quantidade de axiomas e regras do sistema tinha de ser construtível com um número finito de passos e que os enunciados passíveis de prova tinham de ser provados com um número finito de passos.

Examinemos agora como um sistema formal sintático se relaciona com um mundo de objetos matemáticos aos quais estão associados significados. Esta relação se dá através da noção de interpretação§3. Desta forma todos os teoremas do sistema formal podem ser interpretados como enunciados verdadeiros acerca desses objetos matemáticos. O sonho de Hilbert era encontrar um sistema formal no qual todas as verdades matemáticas fossem traduzíveis, mediante algum tipo de interpretação, para teoremas e vice-versa. Tal sistema é denominado completo. O teorema de Gödel veio a destruir este sonho.

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Notas

  

§1. Este resumo baseia-se nas exposições feitas em57 e 20.

§2. Como se pode notar Hilbert utiliza-se da intuição, mas não como os intuicionistas no sentido de estabelecer as propriedades de determinados entes matemáticos, mas referindo-se unicamente à efetuação de operações muito simples, tão seguras e elementares a ponto de serem aceitas na base de qualquer pesquisa teórica.

§3. Uma interpretação é a descoberta de um isomorfismo entre duas estruturas: no caso ela confere significado aos objetos e entidades matemáticas, tais como linhas, ponto, símbolos abstratos, etc.

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